Não é o que sobra. É o que transmuta. É o que lembra. Consolida memórias.
É um inteiro, mas que em pedaços traduz o conteúdo numa outra forma, numa outra vida – Alquimia, macumba. Ares de magia no amontoado energético que se junta para, em intersecção, criar outras instâncias de vida: Colcha de retalhos.
O resto na totalidade já não habita o mundo das prioridades. Já não mais os olhamos, os restos. O descarte pressupõe a exclusão e a margem do que se pensa centro ou prioritário. O lixo e a cinza são invocações intensas de presença e memória. Lembrança do que pensamos ter ido e que fica nas minucias, nos cantos, nas frestas do chão que foi pisado e amassado. O barro que deixa revelar pegadas, que como restos de presença, molda marcas que anunciam um ente que por ali passou. As pegadas são restos de corpos que o tempo invisibilizou, mas não apagou.
Somos restos de nossos ancestrais, somos sobras, somos acúmulo do que restou de todos e todas elas: Nossas avós, mães, irmãs, filhas e tias completam um mosaico afetivo-matriarcal, como um jogo da memória que vai sendo inventada enquanto passamos pela vida. E a morte não é o fim. O ciclo permanece fazendo a roda girar, com os resquícios de fragmentos, que o coração do mundo mantêm dinâmico, na lembrança de nossos passos, que reconstituem e mantêm sempre viva nossa alma.
Cátia Costa, diretora de teatro, diretora de movimento, atriz, macumbera, pesquisadora especializada em teatralidades ancestrais, mestrada em artes cénicas pela UFRJ.
@catia_costa50